sábado, 6 de abril de 2024

O quanto não basta

No fim do dia é que percebo o quanto não me bastei.

 Preciso de um outro amanhã...
 
     ... que baste para eu me encontrar
 
     ... que baste para eu digerir a crueldade do mundo
 
     ... que baste para entender que a finitude é uma benção
 
     ... que baste para eu ser corajosa o bastante          para perceber
         que cada instante deveria ser o suficiente         para bastar
 
(e assim o amanhã não precisaria mais chegar).


KLARA RAKAL

segunda-feira, 18 de março de 2024

Mulher, negra, favelada


Mulher, negra, favelada.
Auxiliar de serviços gerais.

Mulher, negra, favelada.
Claudia Silva Ferreira, 38 anos.

Mulher, negra, favelada.
Baleada no morro do Congonha.

Mulher, negra, favelada.
Estava viva quando foi "socorrida" por PMs.

Mulher, negra, favelada.
Arrastada por uma viatura policial por 300 metros na Intendente Magalhães, Rio de Janeiro em março de 2014.

Mulher, negra, favelada.
— Era traficante — justificaram.

Mulher, negra, favelada.
Deixou 4 filhos e 4 sobrinhos que criava.

Policiais ainda não foram julgados,
continuaram na ativa
e um deles já foi promovido.

O tenente hoje é ca-pi-tão

(do mato).

KLARA RAKAL
30.01.2020



Claudia foi morta em 2014, informa o poema. Quando o escrevi, 6 anos após, minha alma ainda estava repleta pelo horror daquele acontecido. Desde aquela época, as personagens dos poucos contos que escrevi chamaram-se e os vindouros irão se chamar Claudia. Uma forma de não esquecê-la jamais, nem a brutalidade que sofreu e o sequestro de sua vida. Isso vai mudar o mundo? Não, não. Eu sei que não. Mas... Tantas Claudias de lá pra cá... E desde antes até ali... Fico indignada, preciso extrapolar os muros da minha sanidade.

Hoje, dez anos após a morte de Cláudia, os PMs foram absolvidos.
E o capitão do mato agora é superintendente.

(Março é um mês marcado por muitas lutas...)






quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

PALAVRAS AO TEMPO











Numa manhã fresca

de um dia qualquer

escreva com pó de giz

palavras ao tempo


Num campo aberto

— caderno natural —

salpicada de sol

intermitente

flutua a pauta

impermanente


Escrever é preciso

o tema não é preciso


Ouça as lições da manhã

perene professora

a música do nascer do dia

nos ouvidos permanecerá


Passarinhos alinhavam

a inspiração final

a tinta fluida do despertar

desamarra os pensamentos

voam


Escrever é preciso...


KLARA RAKAL

poema escrito em 21.01.2024

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

QUANTO VALE?



Quanto vale a vida, 

quanto vale?


Se a lama cobre

se a vila some

se o vale acaba?


Quanto vale a vida, 

quanto vale?


Se a vala abre

se nada sobra

se tudo cala?









Se a Vale mata,

quanto leva?


Não importa

o que se revele,


em quem resvala?


Quanto vale a vida, 

quanto vale?


Se a vela apaga, 

não importa o quanto vele,

o destino sela.


A alma, a morte leva,

mas não a lava.


KLARA RAKAL



HOJE, 25 DE JANEIRO DE 2024, COMPLETAM EXATOS 5 ANOS DA TRAGÉDIA EM BRUMADINHO, MG.

ROMPIMENTO DA BARRAGEM DO FEIJÃO, COM APROXIMADAMENTE 300 MORTES E FORTE IMPACTO AMBIENTAL. 

NÃO PODEMOS ESQUECER!


Poema publicado no livro SEMÁFORO ESCANGALHADO NO AMARELO — em estado constante de alerta poético, 2023, edição da autora, disponível para venda (para adquirir, envie mensagem para o  e-mail klara.rakal2011@gmail.com)