domingo, 3 de julho de 2011

Longevidade


                               
LONGEVIDADE


E foi gerado João.
E todo o tempo que João viveu
foi de noventa e sete anos.
E, depois de esquecido num asilo,
de velhice
morreu.

E gerou-se José.
E todo o tempo que viveu José
foi de sessenta e cinco anos.
E, depois de aposentado,
expirou sentado,
e morreu.

E foi gerado Pedro.
E todo o tempo de vida de Pedro
foi de quarenta anos.
E, depois de receber o parco salário
que quase alimentava seus sete filhos,
num acidente de trabalho
morreu.

E gerou-se Paulo.
E toda a vida de Paulo
foi de vinte e cinco anos.
E, depois de assaltado,
levou três tiros à queima-roupa
e morreu.

E foi gerado Daniel.
E todo o tempo que viveu Daniel
foi de dezoito anos.
E, depois de ficar só,
cheirou pó,
e de overdose
morreu.

E gerou-se Samuel.
E todo o tempo de vida de Samuel
foi de dez anos.
E, depois de tanta fome, tanto frio,
virou trombadinha,
mas não sobreviveu
e morreu.

E foi gerado Lucas.
E tudo o que conseguiu viver
foram três anos.
E, depois de subnutrido,
pegou doença infantil,
e não resistiu,
e morreu.

E foi fecundado Mateus
(ou seria Marcos
ou seria Tiago
ou seria Jesus?),
numa noite de horror,
de nojo e de violência.
E por todo o resto da vida
de sua mãe
a marca da ausência
e a cicatriz da recusa
povoaram o seu remorso.
E Mateus
nem nasceu.

KLARA RAKAL

Poema com o qual, pela 1ª vez, participei da Coletânea de poemas de profissionais da Educação da Prefeitura do Rio, publicada em 1993. Nessa época eu trabalhava na E. M. Gandhi, lá em Santa Cruz. Início de carreira, bons tempos, bons amigos.

-imagem pesquisada no google-