sábado, 12 de maio de 2018

Um avião na praça


Atravessa a praça uma criança
Puxada pela mão da mãe com pressa
Mas ela olha, vira o corpo e se contorce
Para olhar o mais que possa
O imponente avião no pedestal.

Um pássaro pousa na sua asa
Que ironia! Uma asa
Que não voa, ele fica ali à toa
Não tem alforria

A tarde observa, divertida.
Embora sem nenhum alarde,
Espera paciente o seu fim.
Não se importa! A vida é assim...

A criança enxota o pássaro
Com o seu olhar compriiiiido
Nunca vira avião igual,
Nunca vira um avião...

Em frente à vila militar
Não há pista, não há pouso
(Há o céu... mas o azul está tão longe...)
Ele continua o seu repouso
Sem justificativa!

Está planando, flutuando de mentira
Preso ao pedestal de concreto
Quem sabe por decreto
Do ilustre Brigadeiro
O avião não ganha passageiro?
Só a infantil fantasia
Numa curiosidade sem fim
Transforma o avião-metade
Em avião de verdade.

A tarde morre sem adeus.
Disso entende a passarela:
Pois todos passam por ela
Ninguém fica...ninguém fica...

Cai a noite
Fria e dura como um açoite
Na praça, nenhum cidadão
Para dar boa noite ao avião.

Só mendigos que observam seu contorno
Enquanto forram com papelão
O banco-dormitório

E rezam ao deus alado
Ao deus parado
Cobrem-se com sua sombra-altar
A base é o oratório
Mas também é mictório

Decola em sonhos o avião
Enquanto isso
Carros passam, omissos,
Pela estrada do Galeão.

Klara Rakal
Karla Antunes



Fotos tiradas em 2017, a praça estava abandonada, suja, sem manutenção.

Poema criado em 2017 especialmente para um dos "Abraços" promovido pelo Polo Cultural Ilha em comemoração aos 450 anos da Ilha do Governador.

7 comentários:

  1. O avião, sonho infantil, flutuando na mentira da asa que não voa mas onde pousa o pássaro que voa, enquanto a tarde vai virando noite... E, na noite fria da realidade, o sonho do avião decola, ficando na praça apenas os mendigos que preparam sua cama de papelão, após servirem-se do pedestal-mictório. E os carros passam indiferentes.
    Sinto na riqueza imagística do seu poema, a transição do onírico para o real representada na transição tarde/noite. Parabéns!

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    1. Transitamos o tempo todo, Renato! Às vezes, transbordamos essa transitoriedade. Feliz de te ver apreciando meu blog, comentando e assim, me incentivando. Espero tê-lo sempre aqui, comigo. Um beijinho.

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  2. Eu sonhava em voar nele ... Invadiria o corpo morto do planador e simplesmente o roubaria pra mim...Xiii,acho que nunca fui muito certinho,né? !Linda poesia ,amiga!

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    1. Obrigada por estar no meu blog, comentando. É muito importante pra mim! Mas na minha alma, você está desde sempre, Dan.

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  3. Linda poesia!
    Muito obrigado por compartilhar a sua sensível percepção do espaço que habitamos!

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  4. A rotina não nos permite desenvolver a sensibilidade que há em todos nós, Rafa! Eu mesma precisei de um incentivo... Um beijo!

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  5. Sempre o avião... habita o imaginario das criancas,nos leva pra longe, outros horizontes...
    No meio do sono, embalada pelo movimento do carro, entreabria os olhos , e lá estava ele, o aviao, da praça...
    Podia dormir tranquila, já tinha chegado em casa, estava na Ilha.
    Parabéns minha irmã, suas palavras sempre se unem lindamente!

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