Atravessa a praça uma
criança
Puxada pela mão da mãe com
pressa
Mas ela olha, vira o corpo
e se contorce
Para olhar o mais que
possa
O imponente avião no
pedestal.
Um pássaro pousa na sua
asa
Que ironia! Uma asa
Que não voa, ele fica ali
à toa
Não tem alforria
A tarde observa, divertida.
Embora sem nenhum alarde,
Espera paciente o seu fim.
Não se importa! A vida é
assim...
A criança enxota o pássaro
Com o seu olhar compriiiiido
Nunca vira avião igual,
Nunca vira um avião...
Em frente à vila militar
Não há pista, não há pouso
(Há o céu... mas o azul
está tão longe...)
Ele continua o seu repouso
Sem justificativa!
Está planando, flutuando
de mentira
Preso ao pedestal de
concreto
Quem sabe por decreto
Do ilustre Brigadeiro
O avião não ganha
passageiro?
Só a infantil fantasia
Numa curiosidade sem fim
Transforma o avião-metade
Em avião de verdade.
A tarde morre sem adeus.
Disso entende a passarela:
Pois todos passam por ela
Ninguém fica...ninguém
fica...
Cai a noite
Fria e dura como um açoite
Na praça, nenhum cidadão
Para dar boa noite ao
avião.
Só mendigos que observam
seu contorno
Enquanto forram com
papelão
O banco-dormitório
E rezam ao deus alado
Ao deus parado
Cobrem-se com sua
sombra-altar
A base é o oratório
Mas também é mictório
Decola em sonhos o avião
Enquanto isso
Carros passam, omissos,
Pela estrada do Galeão.
Klara Rakal
Karla Antunes
Fotos tiradas em 2017, a praça estava abandonada, suja, sem manutenção.
Poema criado em 2017 especialmente para um dos "Abraços" promovido pelo Polo Cultural Ilha em comemoração aos 450 anos da Ilha do Governador.
O avião, sonho infantil, flutuando na mentira da asa que não voa mas onde pousa o pássaro que voa, enquanto a tarde vai virando noite... E, na noite fria da realidade, o sonho do avião decola, ficando na praça apenas os mendigos que preparam sua cama de papelão, após servirem-se do pedestal-mictório. E os carros passam indiferentes.
ResponderExcluirSinto na riqueza imagística do seu poema, a transição do onírico para o real representada na transição tarde/noite. Parabéns!
Transitamos o tempo todo, Renato! Às vezes, transbordamos essa transitoriedade. Feliz de te ver apreciando meu blog, comentando e assim, me incentivando. Espero tê-lo sempre aqui, comigo. Um beijinho.
ExcluirEu sonhava em voar nele ... Invadiria o corpo morto do planador e simplesmente o roubaria pra mim...Xiii,acho que nunca fui muito certinho,né? !Linda poesia ,amiga!
ResponderExcluirObrigada por estar no meu blog, comentando. É muito importante pra mim! Mas na minha alma, você está desde sempre, Dan.
ExcluirLinda poesia!
ResponderExcluirMuito obrigado por compartilhar a sua sensível percepção do espaço que habitamos!
A rotina não nos permite desenvolver a sensibilidade que há em todos nós, Rafa! Eu mesma precisei de um incentivo... Um beijo!
ResponderExcluirSempre o avião... habita o imaginario das criancas,nos leva pra longe, outros horizontes...
ResponderExcluirNo meio do sono, embalada pelo movimento do carro, entreabria os olhos , e lá estava ele, o aviao, da praça...
Podia dormir tranquila, já tinha chegado em casa, estava na Ilha.
Parabéns minha irmã, suas palavras sempre se unem lindamente!
Era exatamente assim, irmã.
ExcluirLá estava eu de mãos dadas com a criança e a mãe dela, virando o corpo todo pra ver o avião! Lembro dessa sensação de querer olhar esse avião até ele sumir, sumir... mas acompanhei ele, por todo o passeio que vc me levou! Amo as aventuras que vc carrega a gente!!
ResponderExcluirA poesia nos ajuda a manter essa sensação tão viva, né? Voltamos a ser crianças curiosas... Amo quando você vem no blog comentar! É uma felicidade partilhar com você...
ExcluirNa infância também sempre me contorcia para olhar o avião na praça. Lembro também que, naquela época, já não gostava daqueles homens fardados com caras estranhas perto da portaria da vila. Já tinha nojo dos milicos antes de saber quem eram.
ResponderExcluirGratidão pela carícia na memória!
Incrível como compartilhamos memórias com tantos amigos, isso é bom demais: sonhar coletivamente olhando para o futuro, relembrar coletivamente o passado, gerando o sentimento genuíno de pertencimento! Obrigada por sua presença no blog e na minha vida!
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