domingo, 28 de julho de 2024

ESCREVER É COMO SALTAR DA ALTA CACHOEIRA

CACHOEIRA ALTA - Cachoeiro de Itapemirim - ES

Primeiro, há que se ter coragem, chegar até a borda. 
Depois, imaginar tudo o que vai acontecer quando você se jogar. 
O instante de um segundo entre a decisão e a propulsão. 
Em seguida, o mergulho. 
A imersão do corpo, o choque com a temperatura das águas. 
O deslocamento para o fundo, a profusão das bolhas quando não mais se consegue prender a respiração. 
Por último, o prêmio de vir à tona e finalmente encher de novo os pulmões! 

 A cachoeira é aquilo que o desperta para escrever e você nem sabe direito o que é. 

Galgar as suas pedras até a borda é o tema enfim se definindo, é o assunto sobre o qual você vai redigir. 

Pôr-se de pé na beira dessa queda d'água é o vacilante momento antes de começar a registrar suas ideias: a primeira tecla pressionada, a primeira marca da tinta da esferográfica no papel é o impulso do lançamento. 

A partir daqui não há volta: a expressão do pensamento flui. 

Se o salto é elegante, estudado e tem perfeição de movimentos ou se é intuído conforme o susto e sua coreografia não foi ensaiada, isso define o estilo do texto. 

 E durante o mergulho ocorre a escrita. Você se mistura com as águas incessantes e por mais que tudo dure um instante apenas, parece eterno! Você se sente completamente envolvido e seus ouvidos se fecham para o mundo lá fora... captam-se as batidas do coração de modo louco e tudo se resume nas palavras que dele vão brotando. 

 Finalmente o texto está terminado e você pode respirar, aliviado? O processo pode ter sido dolorido, assustador... ou prazeroso. Nunca sabemos. 

 Às vezes, a margem está longe. É necessária a revisão, a releitura ou a reflexão sobre o texto findo. Algumas braçadas podem ter de serem dadas para o regresso seguro à terra- rotina. Outras vezes, é só sair delicadamente do lago que se formara com as fluidas palavras, pois a margem-satisfação está logo ali, pronta para o acolhimento. 

 Arranca-se a folha do caderno, retira-se o papel da Remington, imprime-se a página: fôlego renovado para os próximos mergulhos na arte de escrever.

KLARA RAKAL
Texto escrito especialmente para compor o posfácio do livro Cartas de amor que nunca escrevi, de Aloísio Villar

25 de julho - DIA DO ESCRITOR.

48 comentários:

  1. Dei um mergulho bem fundo à procura de inspiração. Emergi e tive a solução. Através da sua escrita profunda, Klara, veio à luz palavras do coração.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que lindo! Gratidão!! Fico curiosa em saber quem me presenteou com palavras tão doces e sensíveis!

      Excluir
  2. Escrever é ato liberta[dor], sim literalmente nos libertamos das dores, mergulhamos nas rimas dos amores. Adoro a escrita livremente associada, me remete à vazão, ao jorro de palavras que se agitam em corredeiras e se lançam em cachoeiras. Pois é, Klara nos brinda com seu mergulho proseado de correntes poéticas, que enfrentam pedras e alturas para marcar uma identidade de coragem, pois é no movimento da sensibilidade, do afeto, do amor à arte, da valorização da cultura, que as letras se atiram, enamoradas, mergulham, se espumam em palavras que banham a alma do escritor. Agradeço pelo texto. Que a grande metáfora da escrita nos leve a rios cada vez mais caudalosos, intensos, sinuosos. Parabéns pela narrativa que umedece a alma!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Alaor! Você é um escritor incrível e fico feliz por esse comentário tão bacana. Vindo de você, tomo como um grande incentivo !!

      Excluir
  3. O escritor mergulha num mundo infinito de grandes possibilidades e sonhos, mas tem que ter uma alma corajosa para enfrentar o medo e decepções que surgirem nesse mergulho, e é assim que nascem os grandes escritores.Parabéns Karla, você é essa alma.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, amiga! A sensibilidade também faz parte da receita de um bom escritor, e você tem de sobra!! Um beijinho carinhoso! Klara Rakal

      Excluir
  4. Belo texto, nos faz sentir o frescor da cachoeira. Sem pretensão de invadir o tempo e ser rotineira .Despretensioso é singelo, forte e bastante romântico parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Deu vontade de nela mergulhar... Obrigada pelo comentário!

      Excluir
  5. Essa barreira entre escrever como refúgio, e expor para que outras pessoas se inspirem é enigmático.

    ResponderExcluir
  6. Este mergulho é a constatação de que a arte de escrever vem de de nossa alma.Amei mergulhar contigo, me senti lá.
    CEDILHA

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Lana, por representar o CEDILHA aqui, mesmo sem querer rsrsrs Estaremos de mãos dadas nesses mergulhos literários. Beijo!!

      Excluir
  7. Felicitações minhas
    No seu ato de escrever
    Deixo um pouco de mim
    Levo muito de você! Lupe Holanda.

    ResponderExcluir
  8. Querida amiga poeta, você é inspiração. Sempre mergulho em cada palavra escrita por você. Hoje não foi diferente. Parabéns pelo lindo e profundo texto. Beijinhos poéticos!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aninha, de blogueira para blogueira: é aqui que podemos aprofundar nossos textos através dos comentários dos amigos. Registros permanentes! Obrigada por sua presença constante!

      Excluir
  9. Parabéns, Carla. A escritura é uma arte fascinante. Abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não se quem escreveu, mas desconfio pelo jeitinho de me chamar de Carla... Gratidão!!

      Excluir
  10. Demais! Profundo! Espiritual! Bjs da amiga Déboranastasia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amo sua presença nos meus caminhos literários! Um beijinho carinhoso, Débora!

      Excluir
  11. Colocar nossos sentimentos no papel é algo mágico e você os dez de forma peculiar e belíssima. Parabéns! Mergulhei junto com você! ( Malu Novo)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De águas você entende, né, amiga? Seu livro é prova da sua grande sensibilidade e competência em escrever! Sigamos juntas! Klara Rakal

      Excluir
  12. Meus aplausos , exatamente dessa forma . A coragem tem que existir , a profundidade só no exato momento sabemos. Sempre maravilhoso. O amor é tudo que há, e preciso coragem , também para descreve-lo. Maria Cristiana cristhinagoncalves@gamil.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada por acompanhar meu trabalho. Seu comentário sempre me incentiva. Um beijinho carinhoso!

      Excluir
  13. Que lindo! Que combinação de palavras que nos remetem, como se estivéssemos diante de uma pintura!!! Amei!
    Selminha

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O intuito era esse! Pescou bem! Resta saber o que cada um sente diante desse quadro. Gratidão, Selminha!

      Excluir
  14. Sim,o ato da escrita é a explosão de sentimentos que está dentro de nós.No seu caso a cachoeira éesta representação e o pessoal passou vai se revelando.Lindo texto e significativa a sua mensagem.Parabens!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Explosão de sentimentos... fluidos e incessáveis... Resta-nos mergulhar! Obrigada pelo comentário, curiosa por saber quem é.

      Excluir
  15. Certa vez a imensa Clarice Lispector escreveu: "Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca foi dito". Sim, esta é a grande arte do escritor; muito embora não haja ineditismo na escrita posto que tudo é obra das referências que pavimentam o escritor e sua arte. Eu diria que escrever é a arte de acumular pequenos tijolos que isoladamente dizem nada ou muito pouco, mas que juntos, respeitando o forno criativo de cada autor, é capaz de belas obras. É mister afirmar que a obra só pertence ao artista enquanto está no papel, mas que ao ganhar pernas passa a ser propriedade do todo. Klara Rakal é precisa ao comparar a arte de escrever à queda das águas de uma cachoeira que nasce eu um lugar fixo/geográfico (o artista), mas que após lançada ganha mundo criando e recriando lagos, rios, torrentes e assim , longe de sua origem, passa a pertencer influenciando muitos outros pelo caminho; criando outras cachoeiras, cascatas, quedas d'água e em um moto-contínuo proporciona vida à literatura e a quem vive dela ou por ela.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que todas essas águas literárias percorram nossas células umidificando a amizade que se construiu nas torrentes da indignação! Sigamos juntos na luta...

      Excluir
  16. O processo criativo é pulsante e alimenta nossa existência . Adorei como ilustrou tais caminhos !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Às vezes, muitas vezes na verdade, não conseguimos conter o processo criativo. E nascem textos como este: duplamente metalinguísticos. Gostaria de saber quem escreveu esse comentário, para quem já deixo um abraço!

      Excluir
  17. Escrever é o ato físico que, talvez, mais nos conecte com o nosso ser intrínseco; podendo ultrapassar as barreiras latentes entre as pessoas, uma vez que tal ato possa se expandir de forma bilateral, transcendendo o simples ato do falar.

    Amalri Nascimento.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Uma honra ter seu comentário aqui. Continuemos nos conectando, ultrapassando barreiras e expandindo nossas artes literárias.

      Excluir
  18. Respostas
    1. Uma hora somos as águas, noutra quem mergulha. Sua escrita também é mergulho bom!

      Excluir
  19. Seus mergulhos na arte de escrever são sempre perfeitos.Parabéns! Muito orgulho dessa ex-aluna.
    Beijo grande!
    Marilene Rezende

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida mestra, sabe, né? Tudo começou na sua sala de aula. Um beijinho carinhoso.

      Excluir
  20. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  21. Obrigada, Myrian!! Que bom que gostou!

    ResponderExcluir
  22. Karlinha, texto profundo e emotivo. Me senti saltando na cachoeira!!! Até parei de respirar. Muitos bjs Rita da Rodrigo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quando o leitor salta junto com o escritor... ambos sentindo a mesma emoção... acredito que essa simbiose seja muito significativa! Amo quando vem aqui, Ritita!

      Excluir
  23. Aquele frio na espinha, seja na ponta da cachoeira ou na beira do papel, a sensação é de vida pulsando! É de se arriscar! É de ser descoberta! E a Klara Rakal se despe pra escrever e nos desafia a refletir! Tô com mania de Klara!!

    ResponderExcluir
  24. Mania tenho eu de você! o nome disso é amor, querida amiga! Obrigada por estar sempre por perto!

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário. Será um grande incentivo!