sábado, 21 de maio de 2016

Minhas Memórias Literárias I



MEMÓRIAS DA VIDA INTEIRA

       Aprendi a ler no trajeto que fazíamos com alguma frequência entre a Ilha do Governador, onde minha família mora até hoje, e Botafogo, bairro onde na época residia uma das minhas tias paternas. Eram os imensos outdoors no alto de prédios como o da Mesbla, visualizados do Aterro do Flamengo, ou os indefectíveis letreiros da Coca-cola.

       Depois, nos bancos da Classe de Alfabetização da Escola Municipal Belmiro Medeiros, esquematizei o aprendizado andarilho pelas afetuosas intervenções da tia Vera, única informação que tenho dessa profissional que cuidou de me ensinar o que eu, inconscientemente, já sabia...

       Veio a tia Ivonne, nos quatro anos de primário que se seguiram, com seu jeito firme e cuidadoso de nos conduzir no mundo escolarizado. Aprendi muito mais do que nomes, qualidades, ações ou circunstâncias, todas antecipando as classes de palavras que, hoje, tanto me acalentam o fazer profissional.

       Sim... sou professora, mas se me tornei uma, foi por puro medo e admiração de uma professora da época do ginásio: a dona Marilene. O quase parentesco da “tia” cedeu lugar para o respeito que nos imobilizava diante da agora “dona”. Enérgica, sua voz se tornava doce quando chegava o dia da entrega das redações corrigidas. Ela era só elogios para meus primeiros e vacilantes textos, e deixava recadinhos em cinco ou seis palavras que eram, para mim, versos da mais pura poesia, lidos, relidos e decorados, como se a me convencer de que um dia, realmente, eu poderia ser uma verdadeira escritora.

       Mas antes mesmo da paixão de escrever veio a mania de ler. Desde os meus cinco anos, espiando timidamente pela janela do carro que à média velocidade fazia o Ilha-Botafogo, eu lia o que me aparecesse pela frente. Ou entortava o pescoço até quase doer para observar os desenhos das letras das propagandas laterais, menores, nos postes e placas, mais ao alcance do asfalto quando o carro parava em algum sinal.

       A primeira literatura que me caiu nas mãos foi uma coleção preciosa – porque não era minha – de capa azul com vários clássicos Disney. Não, não falo de uma Pequena Sereia, nem de A Bela e a Fera, muito menos de Pocahontas; antes, refiro-me às histórias de Branca de Neve e os Sete Anões, Dumbo, Bambi, A Dama e o Vagabundo, Pinóchio, assim mesmo grafado. Ricamente ilustrados e surrupiados de mim pelos irmãos mais velhos.

       Um pulo no tempo faz-se necessário, pois, paradoxalmente ao esforço de escrever minhas Memórias, sou péssima de memória. Só me lembro de flashes, em que devorava os gibis do Pato Donald, da Luluzinha e, mais tarde, da Turma da Mônica (os quais, preciso confessar, até hoje...); os romances para adolescentes apaixonadas (qual adolescente não é permanentemente apaixonada por algo ou alguém?), que por pura falta de imaginação eram publicados em livretos de banca chamados de Bianca, Júlia e Sabrina... Década de 70? 80? Bem... já disse que memória não é o meu forte. Mas pela minha data de nascimento, sentencio: em idos de 1980.

       Em determinado momento, adolescente ainda, entrou na minha vida o Círculo do Livro, uma espécie de clube em que o associado tinha de adquirir pelo menos um livro por quinzena. Aqui entra o grande “mecenas” da minha “arte”: mamãe. Fazia pensão caseira e, às custas de um trabalho que lhe roubou a juventude, vendia marmitas entregues de bicicleta pelo meu irmão, que invariavelmente escutava, irritadíssimo, um “Marmiteiroooo”... Resultado do esforço dela foi a prateleira repleta de best sellers e de surpreendentes autores estrangeiros, e dois livros sempre insuficientes para um só mês. Foi uma época de muito ler e descascar batatas e outros legumes.

       A mania de ler me levou para a escolha da faculdade: Letras. Foi na UFRJ que descobri, encantada, as várias possibilidades de leitura... e por ela me apaixonei irremediavelmente, sobretudo pela poesia, mais sobretudo ainda pela poesia de Drummond e Bandeira. Reunião e Estrela da Vida Inteira são os meus livros de cabeceira, até hoje.



Texto escrito especialmente para o concurso de redação Minhas Memórias Literárias, para professores e bibliotecários da rede municipal, em 2015.

O lançamento do livro ocorreu em março de 2016, na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, Rio de Janeiro.




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